Este artigo foi publicado em 26/09/2010 no Jornal Gazeta do Povo (Curitiba) [1]
No ano passado, um pesquisador em
educação, Ives de La Taille, apresentou na obra Crise de Valores ou Valores em Crise, uma pesquisa realizada
recentemente com 448 alunos do ensino médio (com idades entre 15 e 18 anos),
sendo 211 da escola pública e 237 de colégios particulares, na qual indagava a
esses jovens quais seriam as virtudes mais importantes na seguinte lista de
dez: justiça, gratidão, fidelidade, generosidade, tolerância, honra, coragem,
polidez, prudência e humildade. Sem querer aprofundar nas conclusões da
pesquisa, chamou-me a atenção que a mais valorizada tivesse sido a humildade. O
próprio La Taille se surpreendeu com o fato de que essa virtude fosse apontada
tanto pelos meninos quanto pelas meninas, fossem eles da escola privada ou da
pública.
Uma
das explicações que o autor dá para o resultado é que “vivemos uma cultura que
pode ser chamada de cultura da vaidade”.
Esclarecendo esse conceito, o educador afirma que muitos jovens hoje “vivem
apenas motivados para dar um constante espetáculo de si, destacarem-se por
sinais que conferem prestígio, associarem a si próprios marcas que testemunham
ser um vencedor (roupas, carros, celulares), falarem de si em blogs, nos
celulares, computadores...”. Glosando o autor, diria ainda que os jovens andam
atrás de “espelhos” que são as pupilas das pessoas que estão à sua volta, e às
quais perguntam: “Gostou da figura que fiz?”, “Pareceu-lhes interessante o meu
ponto de vista?”, “Que acharam da minha prova, do meu trabalho, da minha
publicação, da minha roupa provocativa...?”. Portanto, voltando-nos para o
resultado da pesquisa, concluímos que a maioria dos jovens pesquisados parecem estar
fartos deste modelo juvenil e de tanta mentira. Intuem que a sedução narcisista
que reina hoje na nossa cultura parece ser a causa de muitas mazelas sociais.
No fundo, essas respostas podem estar representando alguns gritos silenciosos aos educadores que dizem mais ou menos assim:
“Por favor, ajudem-nos antes a ser do que a ter!”. “Não aguentamos mais ver
gente representando o que não é!”. “Ensinem-nos a descobrir a Verdade!”. “Quero
de verdade ser feliz e não fingir que sou feliz!”.
Há
muito tempo que esta disjuntiva Ser ou Ter está presente nas discussões
filosóficas. O que chama a atenção é perceber que estas reinvidicações pelo ser estejam nascendo mais cedo, naqueles que
sempre exigiram liberdade, prazer, dinheiro, consumo, diversão, ter... Afinal,
o que está acontecendo?
Sou
da opinião de que estes movimentos podem já estar refletindo, em parte, as
consequências negativas da pedagogia moderna das últimas décadas. Segundo estas
teorias, chamadas construtivistas, a criança deveria se desenvolver por si
mesma, sem imposições de ninguém. Os responsáveis pela educação deveriam apenas
dar um suporte para o seu autodesenvolvimento, sem, no entanto, se envolver no
processo. Estas teorias psicodinâmicas, muitas delas inspiradas no pensamento
freudiano, acreditavam que a criança tinha um “eu” completo em si mesmo e que
bastaria deixar o tempo passar para ela se desenvolver adequadamente.
Fica
fácil perceber o que produziu esta mentira ao longo das últimas décadas. Na
medida em que os pais foram adotando a chamada educação antiautoritária, que é
a renúncia para educar os filhos, tanto os pais quanto os filhos foram
desenvolvendo níveis crescentes de
soberba de geração em geração. Efetivamente, quem convive com pais e
crianças em escolas particulares e públicas tem percebido ano a ano atitudes de
arrogância e de autosuficiência que não existiam antigamente. Mas por que isto
tem crescido?
Quem
trabalha com educação e conhece a chamada “caixa preta” da criança (fazendo um
paralelismo com os aviões) sabe que qualquer criança é extremamente egocêntrica
nos primeiros anos da existência. Todo o bom processo educacional consiste em
mostrar-lhe que além de existirem outras pessoas no mundo ela própria existe
para os outros. Sua realização e felicidade dependerão da adequação de seus
desejos e projetos para os outros. Que, sozinha, ela nunca saberá nada, poderá
nada, conseguirá nada nem será nada. Que só conseguirá ser ela mesma a partir
do outro. Que o eu deve se converter em si mesmo apenas mediante um tu e um
vós. Por isso, desde que nasce terá que
saber descobrir a linguagem do prazer, dos limites, do amor, do sofrimento.
Esta é a verdade da educação. Por outro lado, se deixamos a criança crescer sem
a exigência da boa autoridade, dificilmente ela descobrirá como deve funcionar
um ser humano e aos poucos seu orgulho irá enganando-a acreditando que sabe
tudo, pode tudo, conseguirá tudo e que ela é tudo, principalmente se obtiver dinheiro
e poder. Esta é a grande mentira da educação. Motivando-a somente a produzir
riqueza, acaba-se gerando uma das maiores e mais profundas pobrezas humanas que
é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material,
nascem sempre do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar, fruto
do orgulho de muitas pessoas.
Terminemos
concluindo que uma das tarefas primordiais da educação é desmascarar os perigos
da soberba. Da ilusão do orgulho. Da escravidão de um eu que se fecha em si
mesmo, como numa bolha. E que o caminho da felicidade está na humildade, que,
longe de ser uma postura depreciativa, é apenas a conscientização da Verdade da
condição humana, que exige abrir-se para os demais e para o transcendente, pois
experimenta que só nas relações interpessoais poderá salvar-se de tantas
depressões e tristezas de um eu doentio.