Este artigo foi publicado no Jornal Gazeta do Povo (Curitiba) no dia 16 de janeiro de 2010 [1]
Em seu livro “Ética a Nicômaco”, Aristóteles
afirmava que, para educar bem uma pessoa, era preciso capacitá-la para que
saiba amar o que é amável e odiar o que é aborrecível. Indicava que, para
vencer este desafio, era necessário avançar em três campos no processo
educacional: o incremento do conhecimento; o desenvolvimento de aptidões
intelectuais e da razão prática, o que permite escolhas morais acertadas; e,
por fim, o incentivo à convivência familiar e social para a consolidação de
atitudes e a interiorização de valores que dão sentido à vida.
Durante
o período escolar, caso se tenha o privilégio de se estudar numa escola que
busque a formação integral dos pais, professores e alunos, os dois primeiros
campos são, em princípio, satisfeitos. Porém, é provável que o terceiro aspecto
– a convivência –fique a desejar. A obrigação dos pais de trabalhar o dia
inteiro, as inúmeras tarefas escolares dos alunos e seus cursos extraescola, a
tendência dos jovens a ficar em casa “blogados” na internet 24 horas por dia são
alguns dos fatores que costumam prejudicar a socialização. Por isso, quando
chegam as férias escolares, pais e educadores devem sentir uma grande motivação
para compensar essa carência, programando bem o tempo de férias de modo a
conviverem de forma mais próxima e intensa.
Estar
juntos em família é uma grande fonte de riqueza humana. Todos têm
particularidades ímpares que, somadas num ambiente de união e cordialidade, são
sempre construtivas. Mas também se deve fomentar momentos de contato com o
mundo da natureza, das obras primas da pintura, da literatura, da música e do
cinema. Estas artes ajudam a saber identificar o que se passa por dentro de
cada um de nós e nos mostram
sentimentos em que nos reconhecemos. Educar a afetividade é hoje uma das
grandes prioridades educacionais.
A
afetividade é primordialmente subjetiva: o que sinto é o que me afeta em minha
identidade pessoal. Quando penso ou decido algo, sempre produzo uma mudança em meu
ser. Mas o que sinto não é garantia de que minhas ideias sejam verdadeiras e
nem de que a decisão seja correta, porque os sentimentos são tudo, a partir do
ponto de vista subjetivo, porém, em termos de objetividade, podem ter pouca
relevância. Uma pessoa que se centra exclusivamente
nos sentimentos, excluindo toda a conexão com o racional e com a realidade,
pode acabar até adoecendo, porque não é capaz de se conectar com o real. E se tal
apego ao mundo afetivo chegar a níveis elevados, pode se tornar uma doença mental, não tão incomum hoje em
dia.
Por isso é
fundamental educar(-se) bem na objetividade, aprendendo de modelos de vida,
atraentes e positivos, a direcionar nossa subjetividade. Sempre que
contemplamos um Van Gogh, discutimos um clássico do cinema de Frank Capra ou relemos
um Dom Quixote, nossas fibras existenciais tendem a se ajustar ao mundo real.
Portanto, é importantíssimo incentivar, principalmente em relação aos jovens e
nesta época de férias, esses momentos culturais de reflexão que geram ideais
altos, objetivos reais, que ajudarão a canalizar toda a afetividade para
finalidades mais estáveis e a construir uma coerência interna.
Outra
“escola” de educação afetiva é a escola
das amizades verdadeiras, pois muitas vezes as melhores obras primas são as
vidas dos amigos que nos rodeiam. Todos temos na memória pessoas que nos
marcaram para sempre, pela sua generosidade, alegria, lealdade, fortaleza...
Por isso, como é importante orientar com clareza a juventude para que saiba
discernir os bons dos maus amigos! Infelizmente, as pessoas hoje tendem a
valorizar mais as pessoas pelo que elas têm do que por aquilo que elas são. O
conceito de amizade também se deteriorou com o utilitarismo. O critério de
escolha beira muitas vezes a satisfação dos próprios interesses ou o preenchimento
de carências materiais e afetivas. O velho ditado nunca se tornou tão evidente
como nos dias atuais: “Diz-me com quem andas e te direi quem és”.
Podemos
concluir que, se as férias são essenciais para adquirir ou recuperar uma boa
saúde física, psíquica e espiritual, elas também poderão ser decisivas para
fortalecer a saúde mental dos jovens e dos não tão jovens. O comportamente
ético está cada vez mais relacionado à saúde completa. Explico por quê.
Numa
sociedade que dispõe de um sistema de valores – coerente e consistente –, a
saúde física e mental de seus cidadãos está significativamente bem mais protegida,
porque se tem a sabedoria do bem e do mal. Por outro lado, se o que reina é a
diluição dos valores ou sua tergiversação, como é hoje, os jovens ficam à
deriva e os pais à mercê da sorte. Pensemos bem: o que é que costumam divulgar os
meios de comunicação na época de férias para atrair as pessoas? Praias,
viagens, cruzeiros, micaretas, shows, restaurantes exóticos, noitadas, fogos,
festas, colônias de férias... O importante é oferecer o máximo prazer corporal
e o mínimo esforço, sem pensar em nada!
Parece que existe uma máxima que diz: “Férias: não pense em nada!”. Se os pais
soubessem que esta maneira de aproveitar as férias poderá estar produzindo personalidades
vulneráveis com escassos recursos para enfrentar a realidade ou para se
defender de tantas mazelas socais, como a depressão, ansiedade, anorexia,
várias síndromes, distúrbios,..., talvez repensassem duas vezes antes de
autorizar ou planejar determinados programas de férias. Torço para que as
férias sejam de fato, para todos, momentos de felicidade!
[1] http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1087107&tit=Ferias-educar-a-afetividade
[1] http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1087107&tit=Ferias-educar-a-afetividade