ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO NO JORNAL GAZETA DO POVO (CURITIBA) NO DIA 20/10/11 [1].
Na famosa obra de Paulo Freire “Pedagogia do Oprimido”, o educador afirma que um dos pilares que devem nortear
a comunicação educador-educando é a fé nos homens: “Fé
no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de
ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens”.
Alinhando-me com o pensamento do pensador pernambucano, sou da opinião de que
este é um dos fatores fundamentais para discernir a verdadeira vocação de
educador. Quem não acredita que qualquer criança pode aprender,
independentemente de suas condições sociais, econômicas e culturais, é melhor que
procure outro caminho de autorrealização profissional. Evidentemente, podem
existir fatores inibidores da aprendizagem, mas se a fé na capacidade do aluno
for mais forte que esses inimigos educacionais, sempre será possível encontrar alternativas
otimistas que os superem. Mas que inibidores são esses que podem afetar o
processo de aprendizagem?
Podemos dividi-los em dois grupos: os de ordem macroestrutural
e os de ordem psico-pedagógicos. Os primeiros podem ser um sistema escolar
inadequado ao alunado; a ausência da boa autoridade do diretor e da autonomia
escolar; a omissão dos pais na educação; a lotação causada por excesso de
alunos nas salas de aula; disparidades entre as idades dos estudantes e os anos
escolares; enfraquecimento da disciplina; ambiente escolar pouco harmonioso;
poucas perspectivas de vida dos alunos. Já os complicadores da aprendizagem de
ordem psico-pedagógica se encontram em possíveis deficiências, tanto por parte
dos professores quanto dos alunos, nas três fases do processo de aprendizagem: aquisição,
retenção e generalização do conhecimento.
Naturalmente, os inibidores do primeiro grupo são, com
frequência, responsáveis pelo fracasso na aprendizagem em um grau muito maior do
que os do segundo grupo, e são normalmente as principais fontes do desânimo do
corpo docente. Mas perguntemo-nos: o professor que vibra de verdade com a
missão de educar e que tem fé na capacidade de todos os alunos de aprender, não
poderá suplantar, pelo menos em parte, essas dificuldades da educação, que são
mais exógenas, com alternativas mais endógenas? Sou da opinião de que isto é
possível. Vejamos como.
Examinando cada fase do processo de aprendizagem, vamos
refletir em possíveis estratégias desafiadoras para cada uma. Comecemos, como
dizíamos, pela aquisição do conhecimento. Obviamente, o pré-requisito sine qua non para que haja sucesso nesta
fase é o colégio atrair um bom professor, isto é, alguém com verdadeira vocação
docente. Quando esta existe, o professor, além de sentir a motivação intrínseca
de aprofundar sempre mais no conteúdo de sua matéria e de encontrar formas inovadoras
de comunicá-lo, tem um olhar antropológico correto e profundo. Sabe enxergar cada
criança como única e irrepetível, com seus ritmos próprios, com temperamentos e
afetos únicos, com virtudes a potencializar e defeitos a vencer, contando com
estratégias de aprendizagem personalizadas. É verdade que possuir este olhar arguto
no meio da dinâmica agitada de uma sala de aula nem sempre é possível. Por isso
é muito recomendável que haja um recurso de comprovada eficácia em muitas
escolas de sucesso: a chamada preceptoria, atividade de acompanhamento individualizado
do estudante por um tutor, em períodos extraclasse, nos quais há oportunidade
de conversar com cada aluno em separado, ensinando-lhe os modos de estudar especificamente
para cada matéria, organizar melhor seus deveres escolares, esforçar-se por
melhorar seu caráter, aproveitar melhor o tempo fora da escola, vencer os
defeitos de socialização, etc... Naturalmente, para atrair e reter um professor
deste gabarito, sua remuneração salarial deverá refletir a sua dedicação, pois
só assim as verdadeiras vocações docentes poderão desabrochar.
Para potencializar a retenção do conhecimento — segunda
fase da aprendizagem —, o bom professor e o bom aluno não poderão abrir mão de
duas coisas essenciais: o esforço do estudo sério e a boa socialização. Por mais
que, hoje, as possibilidades dos recursos de comunicação e de
informação sejam enormes, não podemos nos enganar pensando que
substituirão o homem — pelo menos os homens sérios. Está mais do que comprovado
que a lição de casa composta de uma lista de exercícios das diferentes matérias,
de níveis paulatinos de exigência, de leituras substanciais, de pesquisas bem
orientadas, promove a retenção do conhecimento em grau muito maior do que a
simples utilização de tecnologia. Já foi evidenciado que feiras, projetos
científicos, trabalhos escolares e similares são incomparavelmente mais
eficientes na motivação dos alunos e na conquista da maturidade adequada do que
horas e horas nas redes sociais ou numa diversão insignificante.
Por fim, é preciso almejar que os alunos conquistem a
terceira fase: a generalização do conhecimento. Que saibam relacionar o estudo
com o mundo real. Que aprendam a associar as matérias entre si e a ter uma
visão de conjunto. Que exercitem o raciocínio lógico e a memória. Que consigam
a interiorização dos valores e dos princípios que os ajudará a tomar as
decisões acertadas. Como conseguir todo este bonito ideal? Com exercícios
constantes de reflexão e práticas culturais. Não existe nada que favoreça tanto
a aprendizagem como a leitura dos clássicos. Nada produz mais fruto intelectual
que discutir um filme de conteúdo. Nada enriquece mais o espírito e a
transcendência que uma boa visita guiada a um museu histórico de valor.
Como vemos, soluções existem para que toda criança
aprenda. O que falta, então? Talvez fé por parte de nossos governantes. Fé nos
fins ou nos meios da educação? Opino que nos fins (aprender), porque quando
estes faltam, nunca se quer os meios!
[1] http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1182647&tit=Toda-crianca-pode-aprender
[1] http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1182647&tit=Toda-crianca-pode-aprender