Este artigo foi publicado no Gazeta do Povo (Curitiba) no dia 26/02/2012 [1]
Como já apontei
em um artigo anterior, ganhou fama nas escolas dos Estados Unidos o conceito de
“pais helicópteros”: bastava o filho
chegar em casa com uma suspensão aplicada pela diretora do colégio, ou
emburrado devido a uma advertência mais incisiva de um professor, ou ainda
exibindo algum arranhão no braço, fruto de uma briga no recreio, para que os
pais aterrissassem imediatamente no colégio para exigir explicações. Os papéis
se inverteram. Antigamente, os alunos demonstravam um comportamento inadequado
e imediatamente os pais eram chamados para assumirem o problema e ajudarem a
escola a resolvê-lo.
Este fenômeno
acontece porque muitos pais enxergam no centro educativo que escolheram para educar seu filho apenas um lugar onde a criança deve aprender uma
série de conteúdos da forma mais lúdica possível e sem esforço, esquecendo-se
(talvez nunca tenham aprendido) de que a escola
deve ser muito mais do que isso. A escola deve ser um lugar privilegiado
para formar vários aspectos essenciais nos pupilos: a inteligência teórica (a que lhe permite adquirir os conteúdos), a inteligência prática (a que o faz
aprender a escolher aquilo que o torna realmente feliz), a vontade (que harmoniza inteligência e afetividade rumo ao bem) e,
por fim, a afetividade (instintos,
sentimentos, emoções, paixões) direcionado-a para os outros.
Nos dias que
correm, acredito que muitos pais e educadores, ao escolher e avaliar a melhor
escola para os seus filhos/alunos, trabalham com critérios incompletos: boas e
modernas instalações, altas taxas de aprovação nos melhores vestibulares, a
nota no ENEM, destaque nos esportes... Isto é, desenvolvem um olhar mais
voltado ao “corpo” da escola e o bem estar dos alunos. Acredito que esta visão distorcida
é a grande vilã de qualquer centro educativo, seja ele particular ou público,
pois o leva a perder sua própria identidade e missão. Quando isto ocorre, os
próprios professores também ficam desfigurados e desmotivados.
O
verdadeiro papel da escola deve ser muito mais que um mero aprendizado técnico.
Este último é importante, mas insuficiente. Como já afirmei na introdução do
livro “A Alma da Escola do Século XXI”, “desde os tempos mais remotos, educar
sempre objetivou primeiro que o aluno seja uma pessoa humana completa, formada
em suas dimensões racionais, volitivas, afetivas, sociais e espirituais. Nunca
poderemos esquecer, como apontaram diversos filósofos antigos, como
Aristóteles, em ‘Ética a Nicômaco’, e atuais, como MacIntyre, em ‘Animais racionais
dependentes: Por que o ser humano precisa de virtudes’, que o Homem é um animal
racional e dependente. Tem alma e corpo, e está destinado a ser feliz na
harmonia consigo mesmo e com os demais. Por isso, ninguém se torna realizado
conseguindo apenas um emprego, por mais qualificado e prestigioso que seja. O
aluno precisa enxergar antes uma dimensão ética na realização de seu futuro
trabalho para viver feliz e amadurecer ao longo da vida. Este processo difícil
e demorado de formação ética é algo que deve ser priorizado tanto na educação
familiar quanto na escolar nos dias atuais. Desprezar este aspecto essencial da
educação é matar a “alma” da escola e, consequentemente, a dos alunos”.
Nós educadores,
em primeiro lugar, devemos redescobrir nossa missão de educar como uma tarefa
muito mais ampla que o mero ensino-aprendizagem de uma matéria específica. Que
nos conscientizemos, talvez com mais frequência, de que esse conteúdo
disciplinar deve ser apenas um veículo
para que nossos alunos alcancem algo muito mais profundo, que é a Verdade sobre
si próprios e sobre o mundo que os cerca. Quando isso é feito com sabedoria,
conquista-se o fim último da verdadeira educação: a posse da liberdade real,
que culminará num bom comportamento ético. Em segundo lugar, nós educadores
temos de encontrar tempo para uma formação continuada nesses saberes éticos,
que, por diversos motivos, nem sempre estiveram ou estão muito presentes em
nossos estudos.
Um velho amigo
me dizia com certa preocupação olhando as notas brilhantes de seu filho
adolescente: “não me preocupam as notas, mas sua atitude diante da vida”. Seu
filho era um dos melhores da classe, mas desprezava os professores e amigos se
jactando disso. Pensava que com suas boas notas teria o futuro assegurado e no
presente podia usar sua boa imagem de estudante para fazer sua “santa” vontade.
Infelizmente, nem todos os pais pensam como este meu amigo e se contentam
apenas com as boas notas de seus filhos. Alguns chegam a dizer, inclusive: “Eu
sou assim com o meu filho: se ele tira boas notas, tem carta branca para fazer
o que quiser”...
Torço para que
muitos pais e professores possam vislumbrar num futuro próximo uma escola de “alma
e corpo”, cujo grande objetivo seja formar o caráter dos alunos desde a mais
tenra idade, conseguindo formar no futuro não apenas bons engenheiros, médicos,
advogados..., mas também engenheiros, médicos, advogados... bons, como pessoas!
O maior êxito que um jovem pode conseguir não é o sucesso social ou
profissional, mas sim o êxito diante de si mesmo, o êxito de ser pessoa no
pleno sentido da palavra. Muitas pessoas já não sabem o que significa isto, mas
se recorrer aos antigos descobrirá que ser pessoa é aquela que desenvolveu as
capacidades humanas chamadas virtudes que lhe capacitam para usar adequadamente
suas potências humanas e fazer as escolhas acertadas. A pessoa virtuosa é,
portanto, aquilo que um pai deveria almejar de seu filho e da escola, porque aí
sim a sua felicidade estará garantida, porque terá a capacidade de amar.